Um colega me enviou uma dessas corrente de Whatsapp, me perguntando se uma história de plágio era certa. No Whats dizia que uma pessoa com cargo no alto escalão da entidade que avalia a pós no Brasil apresentava no seu Curriculum Lattes dois artigos iguais publicados em duas revistas diferentes com o mesmo título.
Como não estou interessado nessas pessoas, nem em acusar ninguém de nada, mas sim nos assuntos dos direitos autorais, tudo o que vou fazer aqui será nesse sentido.
Esses artigos, com as mesmas autoras, aparecem nos seguintes periódicos:
- Organizações e Democracia, v. 21 n. 1 (2020). https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/orgdemo/article/view/10686 , https://doi.org/10.36311/1519-0110.2020.v21n1.p109-122
- Educação em Revista. v. 21 (2020): Edição Especial. https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/educacaoemrevista/article/view/9909, https://doi.org/10.36311/2236-5192.2020.v21esp.02.p9
Como me interessam esses assuntos, estive dando uma olhada, entendo que deste post podemos tirar algumas conclusões muito interessantes.
Farejadores. Identificam plágio?
Não, identificam similaridade de caracteres, que não é exatamente o mesmo e é um problema definir uma porcentagem concreta de similaridade aceitável ou não, porque vai depender da obra e do contexto.
Nesta caso, passei um dos artigos num conhecido farejador de uma multinacional, muito reconhecida e caríssimo. Resultado? Uma cifra não significativa de 34% que básicamente corresponde com algumas citações e pouco mais.
Esta é uma prova de que esses programas não devem ser utilizados como juízes de plágio, porque não são, podem oferecer uma informação interessante mas cada caso dever ser revisado por separado.
Como eu já tinha os dois artigos similares, resolvi comparar os dois pdf neste mesmo software. O resultado é 88% de similaridade entre os dois artigos, como aparece a continuação.
Resolvi fazer um outro experimento com um farejador de graça, por se alguém quiser repetir: copyleaks.com, o resultado foi 84,4%, e mais de 5500 palavras similares.
Mas, então, os farejadores funcionam? Depende. Podem oferecer dados interessantes, mas neste caso não identificou um artigo similar que foi publicado em uma revista com acesso de graça, coisa bem estranha, devem ter precaução na hora de interpretar os resultados.
Por outro lado a comparativa dos pdf demostrou uma alta similaridade entre os textos.
Então, é ou não é autoplágio?
Bom, a similaridade de caracteres é uma dica boa, mas precisamos ver o conteúdo. Neste caso o conteúdo não tem modificações significativas.
Então vamos ver algumas definições, para AJE (American Journal Experts) o autoplágio é:
In short, self-plagiarism is any attempt to take any of your own previously published text, papers, or research results and make it appear brand new.
Ben Mudrak
Na universidade de Oxford define o autoplágio assim:
You must not submit work for assessment that you have already submitted (partially or in full), either for your current course or for another qualification of this, or any other, university, unless this is specifically provided for in the special regulations for your course. Where earlier work by you is citable, ie. it has already been published, you must reference it clearly. Identical pieces of work submitted concurrently will also be considered to be auto-plagiarism.
Oxford Students
Então podemos considerar que é autoplágio? Como não sou juiz, acho melhor que julgue você mesmo.
Mas se o artigo é meu, não posso publicar em duas revistas diferentes?
A primeira pergunta que vem na cabeça é: por que é que vc publicaria a mesma obra com alterações mínimas em duas revistas diferentes?
Uma desculpa da era pré internet era pensar que assim chegaria a mais pessoas, a outros públicos de outras partes de mundo ou do próprio país, já que os artigos eram em papel. Neste caso, não parece fazer nenhum sentido, até as duas revistas são da mesma universidade pelo que é difícil pensar que vai auxiliar a levar a voz das autoras mais longe.
Outra desculpa poderia ser o produtivismo, que nos afeta a todos, somos muito cobrados por publicar e a pressão pode levar as pessoas a procurar estratégias para enganar ao sistema. Ou um erro, que as vezes acontecem.
Também pensei que uma das duas publicações poderia ser um número especial com foco em algum assunto muito concreto e que eles iam fazer algum tipo de coletânea com artigos já publicados, mas o editorial não informa de nada parecido e os dois artigos foram publicados com pouco tempo entre eles.
E se pelo motivo X (imaginemos um motivo ótimo e maravilhoso) eu sou “obrigado” a publicar em dois lugares não adicione os dois no seu CV Lattes, nem no seu ORCID, nem no seu Google Scholar. Registrando os dois artigos parece que você escreveu duas obras diferentes, e você fez?
Conclusões
Este é um ótimo exemplo para poder utilizar nas minhas palestras e aulas sobre direitos de autor e editoração científica e também para ver como os farejadores de plágio caracteres são ferramentas limitadas (Já sabe em quais fontes de informação procura seu sistema “anti-plágio”?).
Pelo demais, eu não gostaria de estar na pele de editor que publicou o artigo por último. Se for uma revista científica, deveria publicar uma retratação o mais rápido possível.
Se chegou até aqui e você é um colega, editor, aluno ou pesquisador, minha recomendação é não enviar o mesmo artigo a mais de uma revista, não aceitar uma publicação similar a outra já feita, porque tudo isto forma parte de ética na pesquisa.
NOTA: Lembre que este post utiliza uma licença Creative Commons, respeite a licença 😉