O olho mais azul, de Toni Morrison
O olho mais azul, de Toni Morrison

O olho mais azul, de Toni Morrison


“The Bluest Eye” (título original em inglês), de Toni Morrison, é uma obra fascinante que aborda temas importantes como o racismo, a violência sexual, o conceito de beleza e a identidade em uma narrativa envolvente e poderosa.

O livro conta a história de Pecola Breedlove, uma menina negra que vive em um mundo onde a beleza branca é considerada o padrão de beleza ideal. Pecola anseia por ter olhos azuis na esperança de que isso a faça ser mais aceita pelos outros.

Através dos personagens e das suas histórias interligadas, Morrison explora a luta constante de Pecola e de outros personagens negros para encontrar sua própria identidade em uma sociedade que valoriza a brancura e despreza até as crianças que não estão dentro do padrão esperado.

A autora utiliza uma excelente narrativa, poética, delicada e intensa, que toca profundamente o leitor, fazendo refletir sobre as complexidades do racismo, a violência e da opressão desde a infância.

A continuação uns trechos que achei especialmente interessantes, o primeiro sobre a beleza:

Aí, parou de fitar as cadeiras verdes, o caminhão de entregas, e começou a ir ao cinema. Lá, no escuro, sua memória se reavivou e ela sucumbiu aos sonhos antigos. Além da ideia de amor romântico, foi apresentada a outra – à da beleza física. Provavelmente as ideias mais destrutivas da história do pensamento humano. Ambas se originavam da inveja, prosperavam com a insegurança e acabavam em desilusão. Ao igualar beleza física com virtude, ela despiu a mente, restringiu-a e foi acumulando desprezo por si mesma. Esqueceu-se da sensualidade e do simples gostar.

Para mais na frente falar sobre as mulheres e a conquista de suas próprias vidas:


Mas tinham sido jovens um dia. O cheiro de suas axilas e de seus quadris mesclara-se em um almíscar agradável; os olhos tinham sido furtivos, os lábios descontraídos, e seu delicado virar de cabeça sobre aqueles delgados pescoços negros assemelhara-se ao de uma gazela. Seu riso tinha sido mais toque do que som. Depois cresceram. Entraram devagar na vida pela porta dos
fundos. Transformaram-se. Todo mundo podia lhes dar ordens. As mulheres brancas diziam “Faça isso”. As crianças brancas diziam “Me dá aquilo”. Os homens brancos diziam “Venha c. Os homens negros diziam “Deita”. As únicas pessoas de cá”. quem não precisavam receber ordens eram as crianças e as outras mulheres negras. Mas elas pegaram tudo isso e recriaram à sua própria imagem. Administravam a casa dos brancos, e sabiam disso. Quando os brancos espancavam os seus homens, elas limpavam o sangue e iam para casa receber maus-tratos da vítima. Batiam nos filhos com uma mão e com a outra roubavam para eles. As mãos que cortavam árvores também cortavam cordões umbilicais; as mãos que torciam o pescoço de galinhas e abatiam porcos também cuidavam de violetas africanas até que florissem; os braços que carregavam feixes, fardos e sacos também embalavam bebês. Elas moldavam biscoitos farinhentos em ovais de inocência – e amortalhavam os mortos. Aravam o dia inteiro e iam para casa para se aninhar sob os membros de seus homens. As pernas que cavalgavam o dorso de uma mula eram as mesmas que cavalgavam os quadris de seus homens. E a diferença era toda a diferença do mundo.

Aí elas ficavam velhas. O corpo resmungava, seu cheiro azedava. Agachadas num canavial, curvadas numa plantação de algodão, ajoelhadas na margem de um rio, tinham carregado um mundo na cabeça. Tinham aberto mão da vida dos próprios filhos e cuidado dos netos. Com alívio, amarravam panos na cabeça, envolviam os seios em flanela, acomodavam os pés em feltro. Não tinham mais nada que ver com sensualidade e lactação, estavam para além das lágrimas e do terror. Só elas podiam andar pelas estradas do Mississippi, pelas sendas da Geórgia, pelos campos do Alabama sem serem molestadas. Tinham idade suficiente para ficarem irritadas quando e onde quisessem, cansaço suficiente para antever a morte com prazer, desapego suficiente para aceitar a ideia da dor ao mesmo tempo que ignoravam a presença da dor. De fato, e finalmente, elas eram livres. E a vida dessas velhas negras era sintetizada em seus olhos – um misto de tragédia e humor, malícia e serenidade, verdade e fantasia.

“O olho mais azul” é uma excelente peça literária que deve ser lida pelos amantes da literatura e por todos os que desejam compreender melhor as questões raciais na sociedade e a forma como elas afetam a vida das pessoas.

Uma obra imprescindível para entender de onde é que a gente vem e onde desejamos ir como sociedade.

A bela capa do livro é de Alceu Chiesorin Nunes. Pode ver aqui outras capas de livros que o artista fez para a Companhia das Letras.

Uma música para desfrutar, “Black Is The Color Of My True Love’s Hair” de Nina Simone.

E você, gostou do livro? Compartilhe suas reflexões e opiniões nos comentários abaixo, estou ansioso para saber o que você achou desta obra.

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