Estava lendo o livro de Timothy Snyder, Sobre a Tirania: Vinte Lições do Século XX Para o Presente, que nos alerta sobre os sinais do autoritarismo e nos dá 20 lições para resisti-lo, e pensei em como se aplicariam alguns dos seus ensinamentos ao contexto das bibliotecas e as pessoas bibliotecárias. Ao final, em tempos de desinformação, censura e tentativas de manipulação da memória coletiva, a biblioteca é um espaço de resistência.
Daí fiz um video sobre o assunto (a continuação), e deixo neste texto alguns elementos a mais para abrir a discussão.
Não obedeça antecipadamente
Regimes autoritários se fortalecem porque as pessoas antecipam o que se espera delas e se autocensuram antes mesmo de ser necessário. Nas bibliotecas, isso se traduz em evitar livros “polêmicos” ou deixar de programar eventos sobre temas sensíveis para “evitar problemas”, como vimos neste post sobre Retratos de Censura no Brasil. A censura preventiva é censura.
Lembre-se da ética profissional
Em tempos de autoritarismo, é fácil que profissionais cedam e façam o que se espera deles, não o que é certo. Os bibliotecários temos um compromisso com a verdade, a liberdade intelectual e o acesso equitativo à informação no Código de Ética e Deontologia do Bibliotecário brasileiro. Ele deve ser nossa bússola na atuação profissional.
Defenda as instituições
As bibliotecas são instituições fundamentais em uma sociedade democrática. Elas são muito mais do que depósitos de livros: são guardiãs da memória, defensoras do acesso ao conhecimento, espaços de existência e debate. Se forem atacadas com cortes de orçamento, restrições de acesso ou tentativas de censura, precisamos reagir.
Cuidado com os paramilitares
Isso pode parecer distante do mundo das bibliotecas, mas sim existem grupos organizados que pressionam para que certos livros desapareçam das prateleiras, tentando banir leituras sob pretextos ideológicos. Precisamos reconhecer essas táticas e enfrentá-las com argumentos sólidos e apoio dos colegas e a comunidade.
Acredite na verdade
Um dos pilares do autoritarismo é a erosão da verdade: se tudo é apenas uma “opinião”, nada mais importa. O trabalho do bibliotecário é um ato de resistência contra isso. Não se trata de dar espaço para todas as vozes igualmente (devemos colocar livros terraplanistas ao lado dos de astronomia?), mas de defender a informação baseada em evidências.
Investigue
Não basta oferecer acesso à informação, é preciso saber interpretá-la. A competência em informação se torna essencial, um auxílio no océano digital, para ajudar aos usuários a diferenciar fontes confiáveis de manipulações.
Mantenha a calma quando o impensável acontecer
Crises políticas afetam bibliotecas: censura, perseguição ideológica, destruição de acervos. A história está cheia de exemplos. Quando isso ocorrer, precisamos agir com serenidade, documentar os acontecimentos, compartilhar com nossos colegas e mobilizar a comunidade para defender o acesso ao conhecimento.
Aprenda com seus colegas de outros países
O mundo bibliotecário é global. O que acontece em um país pode ser um aviso do que ocorrerá em outro. Estar conectado com redes internacionais de bibliotecários, arquivistas e pesquisadores permite aprender com suas estratégias e formas de resistência.
Conclusões
Snyder nos oferece um mapa para reconhecer e resistir à tirania. No mundo da informação, os bibliotecários estão na linha de frente. Não apenas preservamos livros, mas defendemos a verdade, a ciência, a memória e o direito das pessoas de pensarem por si mesmas.
Formar parte da nossa classe, estar unidos e colaborar com as associações profissionais que nos permitem canalizar a atuação em conjunto e sermos mais fortes.
Estamos prontos para resistir?
Referencias:
SNYDER, Timothy. Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 168 p.