Estratégias de manipulação das listas de livros mais vendidos
Estratégias de manipulação das listas de livros mais vendidos

Estratégias de manipulação das listas de livros mais vendidos

Como mestrando em Ciência da Informação e com experiência de alguns anos trabalhando em livrarias, tanto no varejo quanto no atacado, as listas de livros mais vendidos sempre surgem em diversas conversas. Elas têm a proposta de mostrar o que o público está consumindo em termos de livros, apontar tendências de mercado e até mesmo culturais.

Diante de tantos mecanismos de produção e divulgação de conhecimento, as listas ou rankings de mais vendidos são um fenômeno complexo, que pode ser analisado sob diferentes ângulos. Elas nos convidam a refletir sobre o papel da indústria editorial, o poder dos algoritmos e nossos próprios hábitos de leitura.

É importante destacar que as listas são criadas com um propósito específico: promover certos livros e, de maneira geral, o comércio. O que elas revelam muitas vezes são os livros mais populares em um determinado contexto ou aqueles que têm maior apoio das editoras. Afinal, assim como os algoritmos de recomendação moldam nossos hábitos de leitura, as listas de mais vendidos refletem, em grande parte, ações que direcionam os leitores para determinados títulos.


Por exemplo, autores com grande número de seguidores nas redes sociais, influenciadores digitais e aqueles ligados a grandes editoras já saem com vantagem. Não só porque esses livros já tem uma grande força de marketing, mas também porque eles tem aporte financeiro e podem até mesmo manipular os rankings.

A máquina de marketing editorial é poderosa e capaz de transformar um livro em um fenômeno de vendas, independentemente de sua qualidade literária ou número real de vendas. Da mesma forma, autores populares acabam por colaborarem e promoverem os livros entre si para impulsionar mutuamente seus títulos, gerando um aumento nas vendas.

Como se criam as listas de livros mais vendidos

No mundo dos livros, especialmente os romances e os livros de autoajuda dominam as lista. Em nosso período de modernidade líquida, a busca por identificação e por respostas para as questões existenciais é constante. Mas algo que esses livros tem em comum é que a tendência do público que os compra é a seguir a multidão. De forma que a lista dos mais vendidos pode incentivar a compra desses livros, como se garantisse que são bons.

Um exemplo prático de como essas listas são montadas, empresas como a BookInfo Servicos e Soluções recolhem os arquivos de venda de livrarias credenciadas, combinam elas e tratam o número de vendas, usando dados como os ISBNs e números de unidades vendidas.

Uma forma de fazer isso é recolhendo os arquivos .XML gerados na emissão das notas de venda, outra maneira é pela declaração de vendas consolidadas que as livrarias fazem, geralmente também por uma emissão de nota fiscal sobre o que foi vendido de material consignado das editoras em posse das livrarias. É normal que as grandes livrarias e distribuidoras recebam grande volume de livros em consignação e uma vez por mês emitam uma nota para pagar o que foi vendido, mais outra no final de um ano devolvendo aquilo que não foi vendido.

Lista de livros mais vendidos
Lista de livros manipulada

Como se manipulam as listas de livros mais vendidos

Existem várias estratégias, vamos ver algumas delas.

Compra em massa para inflar vendas

Uma das estratégias utilizadas para manipular as listas de livros mais vendidos é a compra em massa de cópias físicas ou digitais para inflar artificialmente as vendas.

Assim como nos aplicativos e sites de música, onde existem bots (robôs) e farms (granjas) que criam contas falsas, no mundo editorial também se aplicam práticas semelhantes. Essas contas artificiais em plataformas de streaming acessam repetidamente as mesmas músicas, normalmente apenas pelo tempo mínimo necessário para que o acesso seja contabilizado. Essa é uma prática comum para inflar artificialmente o número de reproduções de uma música, e algo semelhante pode acontecer com os livros.

Para manipular a lista uma empresa pode emitir uma nota de venda final para o cliente em sua loja num shopping, depois emitir outra nota de acerto da consignação para a editora. Tratam-se dos mesmos livros, mas eles foram vendidos da editora para a distribuidora ou livraria, depois para o consumidor final.

Vendas fantasma

Uma forma de evitar a fraude anterior seria conferir o Código Fiscal de Operações e de Prestações (CFOP) utilizado na nota. Mas aí entra outra forma de burlar, as vendas fantasma, quando uma editora “vende” um grande número de livros para uma livraria ou distribuidora, envia esses números como números de vendas finais – para o leitor e não para uma empresa que irá revendê-los – para a empresa que reúne e divulga os dados, para depois deixar esse valor para ser descontado em outros livros e produtos.

Compra excessiva e devoluções

Outra prática comum ocorre quando livrarias compram uma grande quantidade de livros, que acreditam que terão saída, mas acabam adquirindo mais do que precisam ou conseguem vender no momento. Nesse caso, a editora é responsável por enviar os livros ao longo de um período mais longo. No entanto, mesmo que o número total de vendas seja informado, a prática pode ser manipulada.

Se uma livraria ou distribuidora decide cancelar a compra posteriormente, pode até mesmo estornar as notas fiscais e fazer novas compras dos mesmos livros. Isso cria uma situação em que o número de livros vendidos reportado pode ser artificialmente inflacionado. Para que as empresas responsáveis pela coleta de dados verifiquem a precisão das informações, elas precisariam realizar auditorias minuciosas em vários armazéns e lojas para determinar o número real de vendas.

Além disso, essas empresas que reúnem e divulgam os dados têm um interesse implícito em promover os livros das grandes editoras e livrarias para manter boas relações comerciais. Como as informações fornecidas são frequentemente apresentadas como ilustrativas e não completas, a transparência acaba servindo mais para validar e legitimar os dados que essas empresas desejam divulgar, em vez de refletir com precisão a realidade das vendas.

Autor do post

Luiz Alexandre de Castro Souza é mestrando em Ciência da Informação no PGCIN/UFSC, bacharel em Arquivologia pela UFRGS e integrante do projeto de extensão ECCOA da UFRGS. Pesquisa sobre a preservação de jogos eletrônicos e objetos culturais em mídias digitais.
ORCID: https://orcid.org/0009-0007-5922-5473
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7284724930762874
Podcast ECCOA: https://open.spotify.com/show/4h7Q9BgYSd8rUHlUeXweBH?si=763fe72e2bad4438



Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.