Trabalho no capitalismo cognitivo
Trabalho no capitalismo cognitivo

Trabalho no capitalismo cognitivo

Para compreender de que maneira está organizado o processo do trabalho no capitalismo cognitivo precisamos situá-lo em um modelo de organização industrial. Uma pequena observação que devemos ter em mente: todos os modelos possuem o objetivo comum de aumentar a produtividade e reduzir os custos.

Do Fordismo ao Toyotismo

Partimos do modo de produção em massa que, com a criação dos centros urbanos em meados da metade do século XIX, substitui as pequenas produções para mercados locais. Esse modo de produção (popularizado pelo Fordismo e Taylorismo) tem como características de trabalho: intensificação, controle rígido, especialização em uma tarefa e otimização na execução das tarefas (produzir mais rápido e em larga escala para reduzir os custos). 

Esse modelo funciona bem no cenário de alto crescimento econômico, com aumento generalizado da renda e, logo, do mercado consumidor. Porém, em meados dos anos 1970, em um cenário de estagnação econômica, volatilidade da demanda e fragmentação dos mercados, esse modelo deixa de ser eficiente e entra em crise.

Partimos então para o modelo de produção flexível, também chamado de revolução tecnocientífica-informacional. Ele se inicia no Japão pós-guerra com o Toyotismo, introduzindo o sistema just-in-time (atender a demanda eliminando os estoques). Esse sistema objetiva produzir apenas quando necessário e na quantidade necessária, eliminando desperdícios de tempo, de transporte, de trabalhadores etc. A produção flexível tem como principais características: 

  • O investimento em TIC’s para facilitar a comunicação com fornecedores, distribuidores e acompanhar as demandas do mercado; 
  • A criação de demanda (obsolescência programada, personalização de produtos etc);
  • Busca por mão-de-obra barata nos países subdesenvolvidos (com legislações trabalhistas e ambientais flexíveis);
  • A subcontratação e a terceirização (incluídos na lógica de evitar desperdícios).

Agora que estamos situados historicamente, podemos inserir a mudança de paradigma técnico-econômico na virada de século (XX-XXI). Esse é um contexto de transformações técnicas, organizacionais e administrativas proporcionadas pelas TIC’s. É a transição do capitalismo industrial para o capitalismo informacional, onde o fator-chave dessa transformação é a informação, que se torna a matéria-prima principal do sistema produtivo. 

Uberização e seus desdobramentos

Quando falamos em uberização, mais do que um fenômeno do mercado de trabalho, ela é uma forma de organização do processo de trabalho inserida em modelo de produção e tem suas dinâmicas determinadas por este. Podemos brincar com o ditongo “ão” presente em algumas problematizações que se ramificam da uberização:

  • Precarização: é uma forma de trabalho sem emprego, que “coisifica” o trabalhador e despreza as suas conquistas históricas relativas à seguridade e bem-estar social;
  • Plataformização: é a penetração das plataformas digitais nos setores econômicos e nas esferas da vida por onde as empresas, na posição de meras mediadoras entre oferta e demanda, extraem mais-valia do trabalho;
  • Algoritmização: algoritmos controlam e monitoram o trabalho, vigiam e datificam a atividade humana para determinar padrões de consumo que se tornam lucro;
  • Bostificação: isso mesmo, tradução de “enshittification”, que é uma tendência a longo prazo das plataformas digitais em extrair o máximo de valor dos usuários e dos clientes comerciais.

Além da falta de regulação, supervisão, transparência e governança, há outros condicionantes para o sucesso desse processo de trabalho: os altos níveis de desemprego, a educação tecnicista (que não ensina a pensar e questionar) e os ideais neoliberais popularmente aceitos (desregulamentação, empreendedorismo, liberdade etc.). 

Isso nos leva a questionar: por que esses problemas no mercado de trabalho persistem, mesmo com todas as transformações nas dinâmicas socioeconômicas globais nas últimas décadas?

Porque há a manutenção da estrutura do sistema produtivo, com suas contradições e limitações. O sistema capitalista nunca deixou de ser organizado por classes e são de sua natureza as relações caracterizadas por poder e dominação. 

Nesse modelo, informação, conhecimento e tecnologia são fontes de poder. E aqui não cabe uma discussão meramente ideológica, mas sim, uma relação concreta, observável, entre um pequeno grupo que domina, controla e manipula a informação e uma grande massa de consumidores.

Podemos concluir que a análise dos processos de trabalho não podem ser abstraídas dos contextos históricos, econômicos, sociais, culturais, tecnológicos e institucionais nos quais esses processos se desenvolvem.

*Esse texto é um resumo do que trabalhamos na disciplina Sociedade da Informação.

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